Registro raro: grupo de furões-pequenos é flagrado na Caatinga
12/11/2025
(Foto: Reprodução) Registro raro: grupo de furões-pequenos é flagrado na Caatinga
Um grupo de furões-pequenos (Galictis cuja) foi flagrado na Caatinga do município de Buíque, em Pernambuco, no dia 15 de outubro. O registro foi feito por Rafael dos Santos Batista, que estava realizando uma atividade de rastejo, método usado para procurar indícios de sítios arqueológicos, quando se deparou com os animais.
“O sentimento foi bom. A Caatinga de vez em quando presenteia a gente quando está no mato. Pena que às vezes não dá pra fazer o registro de algumas coisas. Tem muita coisa bonita, mas essa foi singular, por conta da aproximação. Eles se dispersaram e depois voltaram”, contou Rafael, que afirmou nunca ter visto a espécie antes.
De acordo com Ricardo Roth, mastozoólogo e doutor em Ecologia Aplicada pela USP, que atua como consultor ambiental autônomo e colaborador do Laboratório de Mamíferos (LAMA) da ESALQ/USP, a cena é considerada rara, especialmente por se tratar de uma espécie difícil de ser observada.
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Breno Farias
“Mesmo nas regiões Sul e Sudeste, onde há mais registros, é difícil encontrá-lo porque o furão-pequeno é muito arisco, ágil e furtivo. Apesar de, eventualmente, ser visto cruzando rapidamente as proximidades de construções, ele evita muito a presença humana. Surpreendê-los e conseguir uma boa filmagem foi um evento bastante feliz”, explicou Ricardo.
O pesquisador destacou que não é incomum que os furões formem grupos familiares. “Filhotes ficam bastante tempo com a mãe e podem ser vistos a seguindo e caçando juntos”, disse.
A espécie, segundo ele, é considerada “plástica”, ou seja, capaz de se adaptar a diferentes ambientes.
“Pessoalmente, já o encontrei em campos do Pampa, entre plantações de cana e milho do Sudeste e, por último, em um fragmento florestal perto de Jundiaí, onde um indivíduo arrastava uma gaiola usada num trabalho de monitoramento ambiental de pequenos mamíferos. Na ocasião, a gaiola havia capturado um gambá (Didelphis albiventris) durante a noite. Pela manhã, verifiquei que o furão matou o gambá, comendo membros que conseguiu puxar pelas grades, e estava arrastando a gaiola com o cadáver para o mato para terminar a refeição. Eles podem ser bem ferozes e determinados também”, relatou.
A distribuição da espécie é ampla e passa por Pampa, Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga. Nesses dois últimos biomas, a ocorrência é mais comum nos limites com a Mata Atlântica. Mais para o interior do Cerrado e da Caatinga, parece ser mais frequente outra espécie do mesmo gênero, a Galictis vittata.
O especialista explicou ainda que o furão-pequeno é essencialmente carnívoro e predador de pequenos vertebrados, como mamíferos, aves e répteis. “É difícil estudar a dieta de um bicho tão arisco e pequeno. O consenso é que ele é carnívoro. Além do relato pessoal que fiz, onde um indivíduo abateu um gambá de tamanho similar, há registros na literatura de furões abatendo preás (Cavia aperea) e serpentes. Seu faro aguçado e agilidade sugerem que ele também possa predar aves e ninhos em árvores baixas”, explicou o especialista.
Sobre os hábitos da espécie, o mastozoólogo afirmou que o furão-pequeno parece ser predominantemente diurno a crepuscular, embora existam registros de atividades noturnas. “Formam casais monogâmicos, e os filhotes podem andar com os pais até o início da fase adulta. São ferozes, ágeis e inteligentes para caçar sozinhos ou em grupo, abatendo até presas potencialmente perigosas, como serpentes venenosas”, disse.
Ainda há lacunas no conhecimento sobre a reprodução da espécie. “Não se sabe o período reprodutivo, o número de filhotes, nem detalhes sobre o cuidado parental. O que se observa na natureza é que tanto adultos quanto jovens são muito sociáveis e brincam bastante quando não estão caçando. Há também registros de indivíduos brincando com suas presas, como fazem os gatos”, completou.
Em relação ao status de conservação, o furão-pequeno é classificado como “Least Concern” (pouco preocupante) tanto pela lista mundial da IUCN quanto pela brasileira do ICMBio.
A distribuição da espécie é ampla e passa por Pampa, Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga.
Daniel Strange / iNaturalist
“Isso é relativamente comum com espécies de raro encontro. A dificuldade de observação está mais ligada ao comportamento furtivo do que a populações pequenas. Apesar de ampla distribuição e resistência às pressões humanas, faltam informações ecológicas detalhadas para avaliar ameaças locais, como o impacto de cães e gatos domésticos, por exemplo”, afirmou.
O pesquisador destaca ainda curiosidades sobre o comportamento da espécie.
“São ferozes e implacáveis na predação, sobretudo em grupo. Também são muito sociáveis e espertos, mesmo adultos gostam de brincar. Além disso, são bons nadadores e escaladores e, como outros membros da família Mustelidae, têm cérebro grande em relação à massa corporal, o que sugere um alto nível de inteligência. Isso pode ser visto no vídeo do flagrante: os membros se reúnem e enfrentam como grupo uma ameaça maior, o próprio observador. Ariranhas (Pteronura brasiliensis) fazem algo parecido, uma estratégia incomum entre espécies, já que a maioria dispersa diante de uma ameaça”, concluiu.
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